[Esse ensaio é dirigido aqueles que já assistiram Cisne Negro (Black Swan, 2010) ou, evidentemente, aqueles que não se importam em decifrar um filme antes mesmo de conferi-lo.]
Darren Aronofsky dirige Natalie Portman: faltam poucos dias para o reconhecimento de sua excentricidade como Arte pela Academia.
Darren Aronofsky, o diretor por detrás dos excêntricos (ou esquizofrênicos – o termo também lhes caem bem) Pi (Pi, 1998) e Requiém Para Um Sonho (Requiem For a Dream, 2000), contempla o final da década com uma película de primeiríssima grandeza. Refiro-me ao seu Cisne Negro (Black Swan, 2010), filme que retoma a cartilha, abandonada em O Lutador (The Westler, 2008), que o consagrou.
Natalie Portman é Nina Sayers: a bailarina que quis ser perfeita.
O argumento de Cisne Negro é demasiadamente simples: Nina Sayers (a soberba Natalie Portman, no papel de sua carreira – minha aposta para o 83º Oscar), bailarina de uma companhia de Ballet, almeja o papel de Rainha dos Cisnes, a protagonista do clássico O Lago dos Cisnes. E, para alcançá-lo, persevera aterradora e assustadoramente, para o deleite dos fãs de Aronofsky. Como ela própria justifica, a certa altura do filme:
“Eu só queria ser perfeita.”
É a estética quem prevalece no visualmente belo Cisne Negro, mas ela não está em detrimento do conteúdo. É a ela que se deve o mérito da condução do filme. Em Cisne Negro, a estética atinge um novo nível no Cinema – ela torna-se um personagem. Ela ajuda a contar a história!
Cenas de A Malvada e de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, respectivamente: há mais relação entre Cisne Negro e este último que, com aquele.
Assim, a ajustada música de Clint Mansell [que, me parece, não terá seu trabalho reconhecido, pela (incompreensível) justificativa de ter ele se valido da melodia de Tchaikovsky para compor a trilha de Cisne Negro; suponho que a Academia acredite em originalidade absoluta (?!)], a onírica fotografia, a minuciosa coreografia da câmera (isso mesmo, você leu certo, em Cisne Negro, não é só a Nina quem dança – Aronofsky também ensaia uns passinhos com a sua câmera) e [SPOILER], principalmente, a confluência de imagens lúcidas e inconscientes, dão forma à estética do longa. Como em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2003), o primeiro filme a contar uma história valendo-se do casamento entre imagens lúcidas e inconscientes, mas com uma diferença crucial: lá, o espectador é capaz de reconhecer esse recurso desde seu início, enquanto que aqui, em Cisne Negro, só descobrimos isso no último segundo da película. Tornando-a uma experiência única e fantástica!
Em seu triste e arrebatador final, Cisne Negro revela que não retratava a inveja e seus desenlaces no meio artístico, não estabelecendo, portanto, referência a A Malvada (All About Eve, 1950) [melhor filme do 23º Oscar], como insistem alguns.
Nina (Natalie Portman) e Lily (a ótima revelação – Mila Kunis) em cena quente de Cisne Negro: a libido dirigida ao próprio ego [narcisismo] era pura alegoria materializada por Aronofsky.
Antes do 4º ato, nos bastidores, Nina Sayers descobre, junto com a platéia, ser seu próprio algoz. Logo, tudo aquilo que visualizamos, em quase duas horas de projeção (e que acatamos como verdade!), é desconstruído. Tudo não passava de uma quimera! Tudo era fruto de uma personalidade narcísica. De uma alma atormentada e ávida pela idéia de perfeição. Capaz de se auto-destruir ao vislumbrar um erro seu... E de superá-lo a tempo de alcançar a redenção junto ao espectador.
Quanto à subida do letreiro de Cisne Negro, seu timing encontra paralelo no desfecho de Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds, 2009) [“Sabe de uma coisa Utivich? Acho que esta é minha obra-prima.”]. Quando Nina sentencia “Eu me senti... perfeita. Foi perfeito!”, eis que surge, na tela, o nome “DARREN ARONOFSKY”. Não poderia haver melhor ponto final! Um belo uso da metalinguagem cinematográfica...
Por tudo isso, Cisne Negro é um daqueles filmes que merecem ser vistos antes que também nos suba nosso próprio letreiro.
As Odettes: Anna Sobeshchanskaya, na primeira montagem – ela não atingiu a perfeição; Natalie Portman, na versão cinematográfica – ela dá aula de interpretação.
CURIOSIDADE: A estréia original de O Lago dos Cisnes, balé dramático em quatro atos do compositor russo Tchaikovsky e com o libreto de Vladimir Begitchev e Vasily Geltzer, ocorreu no Teatro Bolshoi em Moscou no dia 20 de fevereiro de 1877 e foi um fracasso de crítica e de público. O motivo? A má interpretação da orquestra e dos bailarinos. Curiosa a escolha desse balé pelo roteirista, não?!
Baixar Trilha Sonora de Cisne Negro:
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Baixar Roteiro de Cisne Negro:
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