quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

BLACK SWAN, de Darren Aronofsky



[Esse ensaio é dirigido aqueles que já assistiram Cisne Negro (Black Swan, 2010) ou, evidentemente, aqueles que não se importam em decifrar um filme antes mesmo de conferi-lo.]


Darren Aronofsky dirige Natalie Portman: faltam poucos dias para o reconhecimento de sua excentricidade como Arte pela Academia.


Darren Aronofsky, o diretor por detrás dos excêntricos (ou esquizofrênicos – o termo também lhes caem bem) Pi (Pi, 1998) e Requiém Para Um Sonho (Requiem For a Dream, 2000), contempla o final da década com uma película de primeiríssima grandeza. Refiro-me ao seu Cisne Negro (Black Swan, 2010), filme que retoma a cartilha, abandonada em O Lutador (The Westler, 2008), que o consagrou.


Natalie Portman é Nina Sayers: a bailarina que quis ser perfeita.


O argumento de Cisne Negro é demasiadamente simples: Nina Sayers (a soberba Natalie Portman, no papel de sua carreira – minha aposta para o 83º Oscar), bailarina de uma companhia de Ballet, almeja o papel de Rainha dos Cisnes, a protagonista do clássico O Lago dos Cisnes. E, para alcançá-lo, persevera aterradora e assustadoramente, para o deleite dos fãs de Aronofsky. Como ela própria justifica, a certa altura do filme:



“Eu só queria ser perfeita.”


É a estética quem prevalece no visualmente belo Cisne Negro, mas ela não está em detrimento do conteúdo. É a ela que se deve o mérito da condução do filme. Em Cisne Negro, a estética atinge um novo nível no Cinema – ela torna-se um personagem. Ela ajuda a contar a história!


Cenas de A Malvada e de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, respectivamente: há mais relação entre Cisne Negro e este último que, com aquele.


Assim, a ajustada música de Clint Mansell [que, me parece, não terá seu trabalho reconhecido, pela (incompreensível) justificativa de ter ele se valido da melodia de Tchaikovsky para compor a trilha de Cisne Negro; suponho que a Academia acredite em originalidade absoluta (?!)], a onírica fotografia, a minuciosa coreografia da câmera (isso mesmo, você leu certo, em Cisne Negro, não é só a Nina quem dança – Aronofsky também ensaia uns passinhos com a sua câmera) e [SPOILER], principalmente, a confluência de imagens lúcidas e inconscientes, dão forma à estética do longa. Como em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2003), o primeiro filme a contar uma história valendo-se do casamento entre imagens lúcidas e inconscientes, mas com uma diferença crucial: lá, o espectador é capaz de reconhecer esse recurso desde seu início, enquanto que aqui, em Cisne Negro, só descobrimos isso no último segundo da película. Tornando-a uma experiência única e fantástica!

Em seu triste e arrebatador final, Cisne Negro revela que não retratava a inveja e seus desenlaces no meio artístico, não estabelecendo, portanto, referência a A Malvada (All About Eve, 1950) [melhor filme do 23º Oscar], como insistem alguns.


Nina (Natalie Portman) e Lily (a ótima revelação – Mila Kunis) em cena quente de Cisne Negro: a libido dirigida ao próprio ego [narcisismo] era pura alegoria materializada por Aronofsky.


Antes do 4º ato, nos bastidores, Nina Sayers descobre, junto com a platéia, ser seu próprio algoz. Logo, tudo aquilo que visualizamos, em quase duas horas de projeção (e que acatamos como verdade!), é desconstruído. Tudo não passava de uma quimera! Tudo era fruto de uma personalidade narcísica. De uma alma atormentada e ávida pela idéia de perfeição. Capaz de se auto-destruir ao vislumbrar um erro seu... E de superá-lo a tempo de alcançar a redenção junto ao espectador.


Cena de Bastardos Inglórios: como Tarantino, Aronofsky tinha certeza de estar diante de sua obra-prima.


Quanto à subida do letreiro de Cisne Negro, seu timing encontra paralelo no desfecho de Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds, 2009) [“Sabe de uma coisa Utivich? Acho que esta é minha obra-prima.”]. Quando Nina sentencia “Eu me senti... perfeita. Foi perfeito!”, eis que surge, na tela, o nome “DARREN ARONOFSKY”. Não poderia haver melhor ponto final! Um belo uso da metalinguagem cinematográfica...


Por tudo isso, Cisne Negro é um daqueles filmes que merecem ser vistos antes que também nos suba nosso próprio letreiro.

As Odettes: Anna Sobeshchanskaya, na primeira montagem – ela não atingiu a perfeição; Natalie Portman, na versão cinematográfica – ela dá aula de interpretação.


CURIOSIDADE: A estréia original de O Lago dos Cisnes, balé dramático em quatro atos do compositor russo Tchaikovsky e com o libreto de Vladimir Begitchev e Vasily Geltzer, ocorreu no Teatro Bolshoi em Moscou no dia 20 de fevereiro de 1877 e foi um fracasso de crítica e de público. O motivo? A má interpretação da orquestra e dos bailarinos. Curiosa a escolha desse balé pelo roteirista, não?!

Baixar Trilha Sonora de Cisne Negro:
http://rapidshare.com/#!download558cg433306329Soundtrack_BS-_Clint_Mansell__2010_.zip126967
Baixar Roteiro de Cisne Negro:
http://www.mypdfscripts.com/download/1453

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

TOY STORY 3, de Lee Unkrich



Capítulo 1 – Toy Story 3 e o subliminar eterno retorno

1.3 – O porta-voz do círculo
Da alegre existência, enquanto na companhia de Andy, à triste monotonia solitária no baú. Do ensolarado e aconchegante quarto de Andy ao úmido e escuro sótão. Da previsibilidade enérgica da infância à inesperada mutação da adolescência. Do terno e inesquecível primeiro encontro à desditosa e derradeira despedida...

É assim que o roteiro de Toy Story 3, brilhantemente escrito pelo oscarizado Michael Ardnt, apresenta-nos a teoria mais aterradora do filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900) – o eterno retorno.

Nietzsche considerava sua visão de o eterno retorno como seu pensamento mais profundo e aterrador e, ao mesmo tempo, mais assustador. O eterno retorno teria assaltado sua mente durante uma caminhada em 1881, ao contemplar uma formação rochosa. Durante esse passeio, Nietzsche refletiu sobre os sentidos das vivências em alternâncias que se repetem.

“Para os que pensam como nós, as próprias coisas dançam: vêm e estendem-se a mão e riem e fogem – e voltam.
(...)
Em cada instante começa o ser; em torno de todo ‘aqui’ rola a bola ‘acolá’. O centro está em toda parte. Curvo é o caminho da eternidade.”


O eterno retorno nietzscheano alude aos ciclos repetitivos da existência e suas dicotomias que se completam, como felicidade e dor, prazer e ojeriza, guerra e paz, caos e ordem.

Criação, destruição e criação se sucedem no curso da vida. Mas não se trata de um ciclo cronologicamente determinado. Tudo oscila e se sucede a cada instante, de modo que os pares aparentemente – mas não realmente – antagônicos se misturam e se completam.

Como a realidade não tem objetivo, ou finalidade (pois se tivesse já a teria alcançado), a alternância nunca finda. Ou seja, considerando-se o tempo infinito e as combinações de forças em conflito que formam cada instante finito, em algum momento futuro tudo se repetirá infinitas vezes. Assim, vemos sempre os mesmos fatos retornarem indefinidamente.

Sunnyside: o eterno retorno em tijolo e cimento.

Por isso mesmo, Sunnyside – a creche –, além de amarrar os pontos da história, representa simbolicamente a materialização do eterno retorno. Há ali, um espaço reservado a fotografias que comprovam a passagem de várias gerações. Não seria, afinal, a eterna repetição de um mesmo ciclo?

Os céus de Toy Story: alegoria do eterno retorno.

A própria fotografia que abre o epílogo e que termina o filme – a de um lindo céu azul repleto de nuvens brancas –, também ajuda a conceber e reforçar a história como um ciclo repetitivo: começo, fim, (re) começo...

Aí reside a dificuldade em apreender o aterrador conceito do eterno retorno, pois tal conceito leva a várias indagações: Amamos ou não amamos a vida? Se tudo retorna, isso seria um dom divino ou uma maldição? Amamos a vida a tal ponto de a querermos, mesmo que tivéssemos de vivê-la infinitas vezes? Sofrendo e gozando da mesma forma e com a mesma intensidade? Seríamos capazes de amar a vida que temos – a única vida que temos – a ponto de querer vivê-la tal e qual como ela é, sem a menor alteração, ao longo da eternidade? Temos tal amor ao nosso destino? Eis a grande indagação que é o Amor fati (Amor ao Destino) contido em o eterno retorno.

Cena de rito de passagem em Toy Story 3: Amor fati no cinema.

A visão nietzscheana de “amar ao destino” pretende fazer uma afirmação da vida, das circunstâncias, daquilo que somos. E, em Toy Story 3, Woody, para quem o sofrimento não representa uma objeção contra a vida, aprende a “amar ao destino” quando observa a hesitação seguida de aceitação (amor fati) por parte da mãe de Andy quanto ao rito de passagem do seu filho – a ida para a faculdade.

É por conta do amor fati que Woody garantirá uma bela surpresa à platéia. Confiram!

P.S.:
Com a chegada de outro ano (novo?) e, agora, com o conhecimento do assustador eterno retorno, o DC, que não se exime do seu dever, deseja a todos os amigos: Amor fati em 2011!
Mas também não critica, e confessa preferir o velho “FELIZ ANO-NOVO!”. Então, tá...
FELIZ 2011 galera! Que ele seja repleto de grandes filmes para todos nós. Amém!

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

TOY STORY 3, de Lee Unkrich



Capítulo 1 - Toy Story 3 e o subliminar eterno retorno


1.2 – O porta-voz da vida



Woody: o porta-voz da vida.




Int. Carro / Garagem – Dia


Buzz encontra-se ao lado da Caixa de Doação enquanto os outros Brinquedos escalam-na. Jessie ajuda os Aliens a entrarem na caixa.


JESSIE: Já devíamos ter feito isso há anos!


BUZZ: Jessie, espere! E quanto ao Woody?


JESSIE: Ele vai ficar bem, Buzz! Andy vai levá-lo pra faculdade! Agora, nós precisamos ir!


Buzz olha para ela e para os demais.


BUZZ: Você tem razão. Vamos!


Ele ajuda a levantar os Aliens. Woody aproxima-se, incrédulo.

WOODY: Buzz...?


BUZZ: Woody...!


WOODY: O que estão fazendo? Não sabem que essa caixa vai para doação?


BUZZ: Está tudo sob controle! Temos um plano!


REX: Vamos pra creche!


WOODY: Creche?! Quê – perderam o juízo?


SRA. CABEÇA DE BATATA: Não vê? Andy nos jogou fora!


WOODY: Não...! Não, não, não! Ele ia colocar vocês no sótão!


SR. CABEÇA DE BATATA: Sótão? E como viemos parar na calçada?!

WOODY: Foi um erro! A mãe do Andy pensou que fossem lixo!


SR. PORCÃO: É! Se ele nos colocou num saco de lixo!


SRA. CABEÇA DE BATATA: E nos chamou de “lixo”!


WOODY: Sei que isso parece muito ruim mas, pessoal, precisam acreditar em mim!


SR. CABEÇA DE BATATA: Com certeza, calouro!


JESSIE: Andy está se mudando, Woody! É hora de fazermos o mesmo.


Jessie e os outros somem dentro da caixa, fechando suas abas.

WOODY: Tá legal, todo mundo pra fora da caixa! Agora! Vamos, Buzz... Ajude-me a...


Ele anda de um lado para o outro e tenta empurrar a caixa para fora do carro.

BUZZ: Woody – espere! Temos que descobrir o que é melhor pra todos!...

(Toy Story 3 Screenplay, Michael Ardnt, pages 27-28)

Na tentativa de convencer os Brinquedos a encararem a vida – ou a decepção de terem sido relegados ao sótão por Andy –, perscrutando-a, ao invés de, logo na primeira oportunidade, decidirem fugir para a creche, evitando o confronto com a realidade, Woody demonstra ser também o porta-voz da vida. Woody, como Zaratustra, se volta contra a fuga e a negação do mundo.


Contudo, como nas melhores histórias a fuga apresenta-se como opção rotineira, Toy Story 3 não foge à cartilha. Então, eis que lá surge um Buzz Lightyear com a justificativa: “Temos que descobrir o que é melhor pra todos!...” Será isso mesmo? Deverá ser sempre assim? Parece-me que sim...


“Desviar o olhar: que seja minha única negação”.
(Gaia Ciência, §276)



A fuga e a negação absolutas não existem. Apenas a possibilidade de desviar o olhar nos foi concedida. Tão cedo, Michael Ardnt deixar-nos-á boquiabertos, ao explicar-nos porquê.



Os desertores: eles desviaram mais que o olhar...