terça-feira, 23 de novembro de 2010

A ORIGEM, de Christopher Nolan



Capítulo 3 – A Origem e o cinema enquanto sonho

É o sonho a matéria a partir da qual se constrói o roteiro de A Origem (Inception, 2010). E a principal questão filosófica por ele proposta é a seguinte: Como diferenciar o sonho da realidade?


O totem de Ariadne: “Solução elegante para o reconhecimento da realidade”.

A concepção de Nietzsche (1844-1900) acerca da natureza dos sonhos é a que melhor traduz A Origem. Muito antes de Freud publicar sua Interpretação dos Sonhos (1900), o pensador alemão já desconfiava que as vivências oníricas tinham seu fundamento em desejos e impulsos insatisfeitos:

“Nossos sonhos podem ter o sentido de compensar a falta de nutrição [dos desejos] durante o dia” (Aurora [1881], §119).

Para Nietzsche a força em nós que gera as imagens oníricas é a mesma que faz nascer as metáforas e a arte em geral. Dito isto de forma mais simples: Precisamos dos sonhos e da arte para não sucumbir às verdades absolutas que nos cercam.

Enquanto sonhamos (ou assistimos A Origem) estamos momentaneamente livres da lei da causalidade que cerceia nossos atos, enquanto sonhamos estamos mais próximos daquilo que constitui o mais próprio da nossa existência: o devir livre das interpretações na forma de um acaso cruel e multicolorido.

E se são as conexões de causa e efeito que nos dão segurança acerca do real, então toda vez que os elos dessa cadeia são rompidos somos como que levados a nos sentir em um sonho. Nesses momentos o princípio da causalidade parece ser apenas uma invenção, uma aparência de ordem no caos.

O totem de Cobb: Expectativa na platéia – Ordem ou Desordem no caos?

Quando, nos últimos quadros, A Origem faz-nos torcer freneticamente pela desordem, ou seja, pela queda do pião, do totem de Cobb que está a girar, o que traduziria a estadia da personagem no plano real, e, no entanto, priva-nos deste reconhecimento, criando aquilo que, cinematograficamente, se convencionou denominar, desde Blade Runner – O Caçador de Andróides (Blade Runner, 1982), filme de final em aberto, o faz por um motivo também caro a Nietzsche: colocar em dúvida a fronteira absoluta que separa o real do sonho.

Segundo o filósofo, a diferença entre sonho e realidade é apenas de intensidade. Será preciso aprender a viver tal como se sonha:

“A gente não sonha nada ou sonha de um jeito interessante. Será preciso aprender a ficar acordado da mesma maneira: ou nada ou de um jeito interessante” (Gaia Ciência [1882], §232).

Destarte, A Origem apresenta-se, primeiramente, como um cinema enquanto sonho, para não nos deixar sucumbir, e, finalmente, como um convite à vida, que deve ser aprendida como a um sonho. E Non, Je Ne Regrette Rien que ecoa na voz imortal de Edith Piaf (1915-1963) ao final do letreiro, muito bem resume e respalda, metalinguisticamente, o significado de tudo isso.

Baixar Roteiro de A Origem:
http://www.sendspace.com/file/c7qew3

6 comentários:

  1. AEE!
    Muito bom ver que o DC voltou à ativa depois de uma pausa de quase 3 meses (!)
    Que houve que sumistes, rapaz?

    Ainda mais no meio da saga "A Origem" rs.
    Brincadeira, mas muito bom vê-lo de volta.


    Muito interessante suas colocações em propor casamento com o filme e citações de filósofos. Não apenas "A Origem", mas lendo o seu texto foi impossível não remeter ao onírico mundo de David Lynch, diretor soberbo que transita entre o sonho e a realidade - e, por vezes, mescla esses dois mundos. O sonho mais intenso do que o sonho. Questionável... mas claro que abre as nossas asas para algo muito além do nosso alcance.

    E quanto ao totem, adoro essa ambiguidade e o final aberto do filme. Várias teorias surgiram e talz, mas eu gosto de saber que há possibilidades para as 2 opções - 2 até onde eu sei =)


    grande abraço! o/



    e não suma.

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  2. Só Nietzsche mesmo para esmiuçar A Origem.

    Muito bom os três capítulos. Achei interessante a forma como analisa o filme a cada filósofo.

    abraços

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  3. Parabéns por mais um capítulo do ensaio que agrega valor ao filme de Nolan.Interessante a relação proposta entre o filme (a obra cinematográfica em si), o sentido que Nietzsche dá ao sonho e o conceito lapidado em A origem. É mais fácil a visualiação dessa bifurcação ao ler este teu ensaio. Parabéns! Mais uma vez!
    Grande abraço!

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  4. Elton Telles:
    Meu brother, a difícil tarefa de conciliar faculdade e o que fazer no tempo livre: assistir um filme, ler um livro ou escrever para o blog.

    Muito grato por tuas nobres colocações. De fato, Lynch é um outro grande cineasta que adora questionar a fronteira absoluta que separa o real do sonho. Você tem toda a razão. Aliás, o seu Império dos Sonhos é, talvez, o filme que mais requereu de mim interpretação. Mas isso pode ficar para outra hora... rsrsrsrs

    Acredite: Sempre tento não sumir!

    Grande abraço.
    ;)

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  5. Amanda Aouad:
    Concordo contigo, apesar de ser suspeito para falar sempre que se tratar de algo relacionado a Nietzsche. rsrsrsrsrs

    Muito obrigado, fico muito contente em saber disso.

    Abraço.
    :)
    E não suma! [2] rsrsrsrsrs

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  6. Reinaldo Glioche:
    Grande Reinaldo, fico muito grato pelos teus elogios. Eles também agregam valor ao meu ensaio! rsrsrsrsrs
    vlw msm
    Grande abraço.
    ;)

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O DC agradece o seu comentário!