segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A ORIGEM, de Christopher Nolan



Capítulo 1 – A Origem e a pedagogia da inserção

Em A Origem (Inception, 2010), Cobb (Leonardo DiCaprio) é um especialista em extração, a arte de invadir o sonho de alguém e roubar os seus segredos mais ocultos. O filme começa com ele fazendo exatamente isso para um empresário, Saito (Ken Watanabe), que possui segredos que outra empresa deseja. No entanto, após esta missão, Saito quer contratar Cobb, não para a extração, mas para a missão infinitamente mais difícil de inserção, o plantio de uma idéia na cabeça de alguém de tal forma que esta pareça ter sido criada naturalmente.

Cobb e Saito: discutindo o método cartesiano...


Cobb : – O que quer de nós?
Saito: – Inserção.
Arthur: – É possível?
Cobb: – Claro que não.
Saito: – Se pode roubar uma idéia da mente, como não consegue plantar uma lá?
Cobb: – Bem, deixe-me plantar uma idéia em sua mente, eu digo, não pense em elefantes. No que pensa?
Saito: – Em elefantes.
Cobb: – Exato, mas não é uma idéia sua, porque sabe que eu a insinuei. A mente sempre sabe a origem das idéias. A inserção não pode ser falsificada.
Saito: – Não é verdade.

Cobb: – Quão complexo acredita ser?
Saito: – Bastante simples.
Cobb: – Nada é simples se temos algo plantado em nossa mente.
Saito: – O meu adversário é um homem muito velho e com pouca saúde. Em breve morrerá e o seu filho herdará o negócio. Tenho que fazê-lo dividir o império do pai.

Logo na primeira parte de seu Discurso do Método Descartes registra:

“Assim meu propósito não é ensinar aqui o método que cada um deve seguir para bem conduzir sua razão, mas apenas mostrar de que maneira procurei conduzir a minha”.

O que podemos disso depreender? Ninguém pode nos ensinar a querer. Ninguém pode querer em nosso lugar. A vontade não pode ser transplantada. Nem aprendida. Mas isso podemos aprender. Descartes não quer em nosso lugar, ele nos esclarece sobre essa impossibilidade, que se acha no âmago da vontade e da liberdade.

Saito, contra esse princípio, tentará instilar a determinação, a vontade e a decisão em Robert Fischer (Cillian Murphy), o filho de seu adversário, através da inserção. Saito remete aos pedagogos que gostariam de obrigar seus alunos a “pensar por si mesmos”. É também uma homenagem ao personagem Tyler e sua pedagogia da arma, interpretado por Brad Pitt em Clube da Luta (Fight Club, 1999) – a principal referência cinematográfica de A Origem, pois comungam do mesmo argumento.

De toda forma, as conseqüências dessa pedagogia inescrupulosa são questionáveis. Quando Robert Fischer decidir dividir o império de seu pai, o terá sido livremente? Poderá sentir orgulho de sua escolha? Ou ele ainda temerá de dúvida no próprio âmago de seu êxito? Não continuará sendo um homem de contornos indefinidos? Não se tornará um escravo de seus pensamentos eternamente? Que fará de sua vida? Infelizmente, o filme não nos concede a satisfação de ter essas respostas. Mas, como veremos, podemos inferir o final de Robert Fischer a partir de outra história, a de Mal (Marion Cotillard).

Cobb e Mal: para os espectadores, um treino de generosidade.

Então, nunca esqueçamos: Existimos na proporção que queremos. Existimos mais nitidamente e mais distintamente e nossa definição como imagem melhora e aumenta, tornamo-nos mais reais à proporção que nossa vontade é exercitada.

... E de Cobb e Mal – um belo exercício de generosidade cartesiana!

Baixar Trilha Sonora de A Origem:
http://lix.in/-8065eb

6 comentários:

  1. Fantástica a proposição deste primeiro capítulo. A ideia de inserção encontra um respaldo magnífico na figura de Descartes que não havia me ocorrido de forma tão cristalina.
    Abração!

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  2. Reinaldo:
    Grande Reinaldo. Muito obrigado, novamente, pelo elogio. Também fico grato pela tua nobre percepção.
    Abração, meu amigo!

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  3. Adorei ter conhecido teu blog! Sempre que puder venho aqui! Tenho uma postagem no meu, sobre Leo Dicaprio. Adorei esse filme e pra mim está, em termos de atuações, bem acima de Matrix.
    Concordo com seu ponto de vista sobre Descartes!

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  4. Raisa:
    Sou eu quem fico honrado com a tua visita, e lisonjeado por tuas palavras.
    Também admito que A Origem supera Matrix, indubitavelmente, no quesito performance dramática. Não há nem como traçar comparações entre a inspirada interpretação de DiCaprio e a automática leitura do roteiro de Reeves.
    Também estou demasiadamente grato por redescobrires e alcançares a presença da filosofia de Descartes em A Origem.
    Seja sempre bem-vinda ao DC!
    Grande abraço.
    ;)

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  5. Muito boa a análise a respeito do pensamento de Descartes. Caiu como uma luva no filme.

    abraços

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  6. Amanda Aouad:
    Primeiramente, seja bem-vinda ao DC!

    E acredite: Também fiquei admirado com tamanha adequação!

    Grande abraço.
    ;)

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