segunda-feira, 9 de agosto de 2010

POR UMA VIDA MELHOR, de Sam Mendes



“– Eu sempre vou te amar. Mesmo que engorde tanto que eu não consiga achar sua vagina. Pode escrever isso no seu coração.”


Existe lugar suficientemente belo na terra, para que doutro lugar nos desloquemos a ele? A este inquietamento, opinou o poeta José Saramago no sublime O Ano de 1993. Foi exatamente naquele ano que o romancista português, ainda não laureado com o Nobel (este só viria em 1998), decidiu mudar-se de sua terra natal juntamente com Pilar, sua esposa, para viver em Lanzarote, Ilhas Canárias, Espanha. A mudança de pátria resultou do veto que recebera O Evangelho Segundo Jesus Cristo, sua mais nova obra-prima lançada um ano antes, pelo então ministro da cultura português, Souza Lara, à candidatura ao Prêmio Literário Europeu. Importa é que tenhamos aquela reflexão em mente quando assistirmos a Por Uma Vida Melhor (Away We Go, 2009), 6º filme do cineasta britânico Sam Mendes.

Depois de Beleza Americana (American Beauty, 1999), consagrada representação da paixão violenta, e de Foi Apenas Um Sonho (Revolutionary Road, 2008), destruição máxima do amor, agora é a vez de Por Uma Vida Melhor, que em tradução literal significa “distante nós vamos”, revisitar a família americana, especificamente, a sua gênese. Por isso, o retorno do diretor a um tema já duas vezes, competentemente, por ele explorado, talvez expresse seu desejo de fazer as pazes com o Amor. Sim. Por que não?!

O roteiro de Por Uma Vida Melhor (de Dave Eggers e Vendela Vida) brinda o Cinema com dois personagens carismáticos: Burt e Verona (John Krasinski e Maya Rudolph em performances fantásticas). Eles são adultos, apaixonados um pelo outro, moram juntos (mas não são casados). E um dia (ou, na antológica primeira cena), surpreendem-se com a ideia de que talvez estejam prestes a se tornar pais. É a descoberta dessa gravidez não planejada que os incita a realizar uma longa jornada através da América do Norte para encontrar o lugar perfeito de se viver, numa inesquecível demonstração da generosidade cartesiana.


Verona: – Burt, somos fracassados?
Burt: – Não. O que quer dizer?
Verona: – Quero dizer, temos 34 anos.
Burt: – 33.
Verona: – Nem mesmo resolvemos as coisas mais básicas.
Burt: – Básico, tipo o quê?
Verona: – Básico, tipo onde viver.
Burt: – Não somos fracassados.
Verona: – Temos uma janela de papelão.
Burt: – Não somos fracassados.
Verona: – Acho que talvez sejamos fracassados.
Burt: – Não somos fracassados.

A generosidade é empregada num sentido inédito por Descartes, que se revela ser seu sentido verdadeiro. Para ele, a generosidade não consiste em dar aos outros, mas em dar-se a si mesmo a liberdade, a se conceder crédito, a se prometer querer. Como explica Hubert Grenier, o generoso confia. Concede sua estima com liberalidade. Saber ser generoso consigo mesmo, significa proibir-se de duvidar de si, não ceder ao desencorajamento, não condenar-se, não amaldiçoar-se. O generoso cartesiano sabe que, por mais baixo que tenha caído, tem sempre meios para se reerguer. Isso lhe é ensinado pela consciência que ele tem de sua liberdade. O que é ser livre, com efeito, senão jamais limitar-se ao que se é? Se sou livre, há sempre mais em mim.


Assim, Por Uma Vida Melhor funciona como um “treino de generosidade”: o filme nos permite assistir ao combate de uma liberdade humana às voltas com obstáculos que ela não controla. Partilhar esse combate permite, de uma certa maneira, poder forjar sua decisão sem agir. Treinamos o querer por onipresença. Ou, para ser mais claro, em vez de simplesmente vermos um exemplo, nós o vivemos, sem ser preciso pagar seu preço. Burt e Verona despendem milhas aéreas em busca do lar perfeito. Nós, não.

É, portanto, segundo Ollivier Pourriol, uma ampliação de nossas idéias – progredimos do ponto de vista do entendimento, enriquecemos nosso pensamento com novas situações –, uma espécie de incitação a querer, um treino de generosidade, uma vez que vemos muito bem que os mais belos personagens são aqueles que dão um jeito de se contentarem independentemente das circunstâncias externas.


Burt: – Não concorda com eles, concorda?
Verona: – Não. Sobre o quê?
Burt: – O que disseram sobre não ser possível ter uma boa família. Tudo está destinado ao fracasso.
Verona: – Não, não concordo. Você sabe que não concordo, Burt. É só... Odeio essa atitude, sabe? “Tudo já está estragado, então por que não podemos continuar estragando?”.


Mas por que, afinal, a digressão com O Ano de 1993, livro de José Saramago, para discorrer sobre Por Uma Vida Melhor, último filme de Sam Mendes? Ora, se a Arte imita a Vida, não existe uma originalidade total e absoluta na Arte nem em nada. Tudo se constrói sobre o anterior – não há pureza em nada humano. A última história contada por Sam Mendes traz arraigada, implicitamente, a reflexão proposta, explicitamente, por Saramago. Alguma diferença? Sim. Enquanto Saramago entrega a resposta ao seu leitor logo lá pela metade do livro, Mendes articula seu filme para entregá-la ao espectador em seu último instante. Qual a resposta? Concedo-lhe a satisfação de assistir ao filme (e/ou de ler ao livro!) e descobrir por si próprio, aquilo que Burt e Verona também só vão ter certeza no derradeiro fim da película, que para nós, espectadores, corresponde ao momento que precede a subida do letreiro, ou ainda, antes que “distante nós vamos”... Sublime!

Baixar Trilha Sonora de Por Uma Vida Melhor:
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7 comentários:

  1. Ainda não consegui conferir este filme. Parece ser MUITO interessante!

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  2. Kamila:
    Certamente que o é!
    Um abraço.

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  5. qual a senha para o arquivo da trilha sonora?

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O DC agradece o seu comentário!